terça-feira, 1 de abril de 2014

Brasil: um olhar de quem vem de fora

Você alguma vez já parou pra olhar realmente o que acontece à sua volta no Brasil? Alguma vez já parou pra repensar a realidade do país? Por que o Brasil, com toda sua riqueza e diversidade, não consegue evoluir e se igualar a um país de primeiro mundo?



Se eu me fizesse essas perguntas há alguns anos, eu certamente responderia que é culpa da corrupção, dos altos impostos, da burocracia, da desigualdade social, da falta de educação, infraestrutura, saúde, empregos etc. Hoje, depois de passar um ano e meio fora do Brasil, vejo que a realidade do país é outra. As situações absurdas, que de tão comuns já haviam me anestesiado, agora já me causam repulsa novamente. Aquele modo automático de ignorar o que eu não queria ver se reverteu. O efeito da anestesia passou.
Ficam registradas nesse post minhas impressões ao voltar ao Brasil e vê-lo pela primeira vez de novo.

Descaso, desorganização e caos.
A primeira coisa que eu notei ao sair do aeroporto foi o caos do trânsito de veículos e pessoas. As ruas de várias cidades estão abandonadas, não há pintura do meio-fio, há somente resquícios das faixas de pedestre, é raro encontrar uma sinaleira pra pedestres (exceto nas grandes avenidas da capital), faltam placas, sinalização de lombadas e iluminação. Até a novíssima rodovia do Parque tinha longos trechos sem iluminação 7 dias após sua inauguração. Não bastassem as péssimas condições de circulação, os motoristas e transeuntes brasileiros não ajudam em nada. Uma das características mais marcantes e irritantes do nosso trânsito são os pedestres cruzando ruas fora da faixa segurança, mesmo que esta esteja a 5 metros de distância. Como se não bastasse, eles ainda atravessam em esquinas, cruzamentos, rotatórias, pontos de difícil visualização para o motorista e até quando o semáforo está verde para os caros. Pior ainda é que eles fazem isso não só sozinhos, mas também acompanhados por crianças (pra ensinar errado pras próximas gerações), em grupos (que são mais lentos), carregando coisas (imagina meu susto quando 4 pessoas carregando uma geladeira se jogou na frente do meu carro semana passada), etc. Depois as pessoas são atropeladas e a culpa é do motorista...

O caos se intensifica ainda mais com motocicletas e ciclistas. O problema das motocicletas já é assunto conhecido pra qualquer um que dirija no Brasil. Elas cortam a frente, circulam em alta velocidade, não respeitam as faixas de sinalização, etc. Agora, os ciclistas estão demais. Eu concordo que faltam ciclovias nas cidades e que, na falta delas, os ciclistas devem ser respeitados tanto quanto carros e motocicletas. Agora, pra ser respeitado, tem que respeitar. Todo ciclista quer que os carros os ultrapassem com distância segura e que respeitem sua passagem nas vias preferenciais. Mas qual ciclista faz sinal com a mão quando vai dobrar em uma esquina? Qual finalização quando vai parar? Qual nunca cruzou um sinal vermelho porque "não vinha ninguém" do outro lado? Qual nunca andou nas calçadas de pedestres? Sem falar nos que andam na contramão. O código de trânsito é claro, e aquele que o desconhece deve ser multado não só pela infração cometida, mas também por atestar o desconhecimento da própria lei.

Sobre os carros não tenho muito a acrescentar. Continuam dirigindo agressiva ao invés de defensivamente, não usam as setas para indicar se, onde e quando vão dobrar ou parar, estacionam e param em locais proibidos ou em fila dupla atrapalhando os motoristas atrás dele, etc. Em suma, o trânsito brasileiro tem muito a ver com a dinâmica da população em geral: falta respeito, educação e consideração pelo próximo.

A desorganização e o caos também se instalam em locais com grande concentração de pessoas. Parece que existe um botão de liga/desliga para a civilidade. As pessoas transformam-se em animais pra entrar em um trem ou ônibus lotado, pra conseguir o último item em uma promoção, pra pegar um lugar bom na fila, no estádio, no teatro, no restaurante (vide restaurante universitário ¬¬). Às vezes me sinto na dança das cadeiras, aquela brincadeira infantil. O cúmulo foi o voo que peguei de Lisboa para o Brasil em dezembro. A maioria dos passageiros eram brasileiros, então as pessoas corriam, se empurravam e tentavam furar as filas do raio-X, do controle de imigração, do check-in, e do embarque. O cúmulo em questão foi o pessoal ter ficado 1h30 em pé na fila de embarque do avião pra ser o primeiro a entrar. Alguém me explica isso?

Egoísmo e desrespeito.
Acho que logo depois dos exemplos acima, vale falar sobre como somos individualistas, egoístas e desrespeitosos em relação ao próximo. Brasileiro tenta tirar vantagem em tudo. Tem que estar sempre à frente, tem que ter o melhor e, mais importante, tem que se mostrar (afinal, não é por isso que o facebook fez tanto sucesso no país?).

Falta de educação.
Ainda em 2014 se vê pessoas jogando lixo na rua. Eu ainda vi uma mãe mandando o filho jogar o papel de bala pela janela do carro pra não melecar o lixo do veículo. E não era um carro ruim, era uma caminhonete SUV com teto solar e tudo. O absurdo é tanto que criaram uma lei  explicitamente proibindo espalhar detritos, com direito à multa (embora eu tenha certeza de que isso já se encontra nas leis de respeito ao patrimônio público). Essa iniciativa já nasceu morta, assim como a regra de esticar a mão pra atravessar a rua. Num país onde faltam policiais e agentes de trânsito, quem vai ficar de plantão abordando quem jogar lixo no chão e mandando multa por e-mail? O problema está na falta de educação das pessoas. Não porquê elas não sabem que é errado, é porque são imbecis mesmo. Cabe ao governo e aos meios de comunicação tratar as pessoas como crianças de pré-escola e conscientizá-las constantemente. No mesmo balaio cabe o uso das "palavras mágicas". Me surpreendeu quão pouco as pessoas pedem por favor, licença, agradecem ou simplesmente sorriem umas às outras. No supermercado, vi uma mulher bater com o carrinho numa prateleira com shampoos, que caíram todos pelo chão. Em vez de pelo menos colocar os produtos de volta na prateleira, em qualquer lugar, a mulher olhou a bagunça, virou-se e seguiu adiante. Fiquei pasma. Outro exemplo são os motoristas que estacionam em vagas para deficientes físicos. Está faltando a mínima noção de convívio em sociedade.  

Abuso de poder.
Depois de ver a cena no supermercado, fiquei pensando nos motivos que poderiam ter levado a mulher a agir com tanta estupidez. Será que ela pensou que era trabalho dos funcionários do mercado limpar sua bagunça? Aí fica aquela máxima: você, que joga lixo no chão pra não tirar o emprego dos garis, aproveita e morre pra não tirar o emprego dos coveiros. É uma noção irreal de superioridade e, quando associada a uma posição social ou profissional, ao abuso de poder. Minha mãe, por exemplo, foi multada no estacionamento por ter deixado o ticket de estacionamento expirar 1 minuto. A agente de trânsito agiu com prepotência e arrogância, ignorou-nos totalmente e emitiu a multa no momento em que colocávamos a chave na porta do carro. E quem nunca se irritou com um funcionário tomando cafezinho, falando no celular ou passeando no facebook em horário de trabalho enquanto uma fila gigante se forma no atendimento? Só faltava levantar a cabeça e rir dos palhaços esperando ali, muitos deles até usando seu curto horário de almoço pra pagar uma conta. Isso acontece com muita frequência e, ironicamente, as pessoas com os poderes mais insignificantes são os que mais abusam dele. Talvez por serem mal-pagos, infelizes e quererem descontar nas outras pessoas.
Agora, outra situação que muitos de vocês (inclusive eu) nunca tinham percebido como abuso é praticado pelas pessoas supostamente mais frágeis e vulneráveis. O melhor exemplo são os "idosos" (isso mesmo!). Coloquei aqui idosos entre aspas porque me refiro ao que a legislação considera como idoso: pessoas com mais de 60/65 anos de idade. Pra mim, idoso mesmo é aquela pessoa com dificuldades físicas e/ou psíquicas decorrentes do envelhecimento, como dificuldade pra caminhar ou ficar em pé.  

Pessoas de rua.
Me deu uma dor no coração de ver pessoas idosas, jovens, de meia-idade, enfim, qualquer pessoa abandonada na rua, dormindo em caixas de papelão, com os pés pretos de sujeira. E são muitas pessoas assim. Acho que quando a gente passa muito tempo vivendo no Brasil acaba se acostumando com essas situações e fica "cego" em relação a elas. Gente, pensem bem: é um ABSURDO alguém morar na rua! Onde está a assistência social? Os programas de inclusão? Os programas de reabilitação e de combate às drogas? Por que não temos albergues públicos em número suficiente? O pior é que nós, a sociedade, somos tão responsáveis quanto o governo pelo que está acontecendo. Nós não cobramos. Nós não nos envolvemos. Nós não defendemos os direitos dos mais fracos porque não queremos nos incomodar e sair da nossa zona de conforto. Nós não vemos as pessoas que precisam de nossa ajuda. Nós escolhemos não vê-las. 
Agora, coloca uma foto de um cachorro abandonado nas redes sociais pra ver se não vai ter 100,000 compartilhamos... Somos todos hipócritas.

Jeitinho brasileiro.
Eu acho que muita gente tem orgulho do "jeitinho brasileiro". Eu também tinha há até pouco tempo, quando me dei conta do que isso realmente significa. O jeito brasileiro é o jeito "malandro", o "atalho" pra uma solução mais rápida e que exija menos esforço. Concordo que muitas vezes somos forçados a usar o jeitinho brasileiro pra escapar da maldita burocracia (que deveria ser um capítulo à parte), mas isso não o torna menos inaceitável. O jeito brasileiro incluiu fazer as coisas de qualquer jeito, fazê-las só pra dizer que foram feitas, fugir dos caminhos legais, "molhar" a mão de alguém, furar a fila, deixar que a próxima pessoa lide com o problema, improvisar uma "gambiarra" porque requer menos esforço do que fazer do jeito certo. É um reflexo do nosso egoísmo, da nossa falta de consideração com o próximo. 
Não, eu não tenho orgulho do "jeitinho brasileiro". Eu tenho vergonha.

No final, eu fiz esse post por um só motivo: eu amo meu país (apesar de tudo). Eu realmente AMO ser brasileira e eu acredito na capacidade de cada brasileiro (eu, você, e todos!) de ser uma pessoa melhor, uma pessoa que faz decisões pensando no bem comum, que não se aliena face aos problemas da nossa sociedade.
Espero que esse post tenha feito você re-pensar a realidade à sua volta e parar de aceitar aquilo que, no fundo, todos nós sabemos que está errado. Você não precisa mudar o país de um dia. Comece mudando o seu comportamento em relação às outras pessoas e pare de fazer coisas absurdas só porque todo mundo o faz. Você pode fazer a diferença mudando a si mesmo. 

Lembre-se: tudo começa com um ponto (e se você não viu esse vídeo ainda, por favor, assista!). 

 



3 comentários:

  1. You should totally give a TED talk!

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  2. Cara Patrícia Nunes.
    Como troco e-mails com Carlos Bobsin, recebi dele um e-mail com este post.
    Dois filhos meus também estudaram no Rio Branco. A Karla Petry, +/- de 1984 até o fim do grau médio (1991 ou 1992) e o Carlos Arthur Petry, de 1990(ou 91), também até o fim. Ambos fizeram intercâmbio de um ano letivo nos EE.UU. Eles não ficaram espantados ao voltarem, mas estavam muito satisfeitos e entusiasmados com o comportamento dos americanos, que imagino, nem seja tão civilizado como o dos suíços. Mas, voltando ao Brasil, é triste informar que após a tua estada aqui a coisa só piorou e assim continua aceleradamente. Tudo está deteriorando a ponto de eu recomendar aos meus filhos que tentem sair daqui.
    Como o teu relato é bem detalhado, estou tomando a liberdade de retransmití-lo a todos os meus correspondentes eletrônicos. Espero que não tenhas objeção.
    Receba um abraço de um gaúcho muito indignado com o nosso atraso. Sem falsa modéstia, eu sigo todos estes princípios de educação e civilidade, mas é muito difícil e às vezes sou surpreendido com reações de espanto pelo meu comportamento.
    Continue mostrando que há brasileiro(a)s que prestam.

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