Foto de uma votação direta local realizada em Appenzeller, em 2011. |
Semana passada um grupo de estudantes da EPFL foi convidado a fazer uma visita ao parlamento suíço, que fica em Berna, a capital.
Chegamos lá e fomos assistir às discussões e à apresentação das opiniões de diversos partidos políticos. O tema em questão naquele dia era a lei sobre os impostos para pessoas casadas. Na Suíça, se você casa, paga mais imposto do que se for solteiro, mas esses impostos baixam de novo se você tiver filhos. Foi um jeito de forçar a população a ter filhos que deu bem errado: as pessoas começaram a ter filhos sem casar. Por isso, não faz mais sentido que os impostos sejam mais altos para pessoas casadas. Os parlamentares estavam tentando mudar isso. Eu não entendi toda a discussão porque cada parlamentar tem o direito de se pronunciar (em somente 5 minutos) na sua língua materna (se oficial da Suíça). Então tinha gente falando em alemão, italiano e francês. Na real não teria problema porque a gente podia trazer um fone de ouvido e engatar na poltrona para ouvir a tradução de tudo ao vivo.
Depois de mais ou menos uma hora de discussão, tudo filmado e transmitido ao vivo pela TV, era hora da votação. De repente, o parlamento ficou lotado. Absolutamente todos os parlamentares compareceram para a votação. Eles não precisam estar lá quando os partidos apresentam seus argumentos, já que isso é mais uma apresentação para o público e para a imprensa: os debates reais acontecem em reuniões fechadas e cada partido participa enviando os parlamentares que são especialistas sobre o assunto da reunião. No final das reuniões, os parlamentares que entendem daquele assunto enviam uma recomendação de voto para aqueles que não participaram da reunião ou que não entendem bulhufas do assunto em questão.
Na hora da votação, o presidente da câmara manda uma mensagem para os "pagers" dos parlamentares que estão em seus gabinetes ou em reuniões. Todos param o que estão fazendo e reúnem-se para votar. Os votos são feitos em um botão na mesa de cada parlamentar. O voto é aberto e o público vê no que cada parlamentar votou. Depois de 2 a 4 assuntos votados, é hora de discutir outras coisas e votar de novo. Em média, são votadas 10 propostas por dia.
Depois da votação, uma parlamentar nos recebeu e discutiu nossas preocupações em relação à politica de investimento em pesquisa e em educação superior, e em como a nova lei que limita a entrada de estrangeiros no país vai nos afetar nos próximos anos. Foi uma discussão muito interessante. Acho que vai dar tudo certo. Até porque as duas Universidades Federais da Suíça (EPFL e ETHZ) têm um sistema político próprio, paralelo ao parlamento. Ou seja, o parlamento não manda em nada dentro da EPFL ou da ETHZ. O presidente da Universidade tem tanto poder dentro da Universidade quanto o parlamento no resto da Suíça. Então, se as Universidades quiserem empregar somente estrangeiros e incentivar a imigração, o governo federal nada pode fazer para impedi-las. Bem divertido.
O parlamento tem 200 lugares. 1 para cada 40 000 habitantes. O presidente do país muda cada ano e é escolhido entre os membros do parlamento. O presidente é mais uma figura representativa, que fala com a imprensa e participa de eventos. Ninguém na Suíça sabe o nome do presidente atual.
Enquanto a Suíça tem uma democracia indireta, como o Brasil (eles elegem os parlamentares que vão votar sobre as propostas), a Suíça também tem uma democracia direta, onde o povo pode votar diretamente sobre as propostas em um referendo. Como isso acontece? Tem 3 formas:
1. Mudança drástica na constituição: a população é sempre convidada a votar diretamente nesses casos.
2. Quando a população discorda de um resultado de uma votação feita pelos parlamentares (50,000 assinaturas necessárias). Isso acontece frequentemente e aconteceu há poucos dias quanto à compra de um avião de guerra. Os parlamentares decidiram que "Sim", a população discordou, a votação virou referendo e o resultado nas urnas parece que vai ser um absoluto "Não".
3. Quando a proposta vem diretamente da população. A proposta de lei deve contar com 100,000 assinaturas online para virar referendo nacional.
A opção 2 e a 3 mostram realmente como o povo tem poder na Suíça. Eu fico pensando se o Brasil não devia ter feito um referendo sobre a Copa antes de se inscrever junto à FIFA...
Dia 18 de maio será o segundo referendo do ano. Os suíços irão votam sobre a instituição (ou não) do salário mínimo de 48,000 CHF, impedir (ou não) condenados por pedofilia de trabalharem com crianças no futuro, sobre a regulamentação da medicina de família, e sobre a aquisição do avião de guerra.
Pra votar, você recebe uma convocação em casa com as propostas a serem votadas. Você pode votar em uma urna física distribuída pela cidade no dia da votação, por correio (a convocação vem com uma carta-resposta gratuita) ou pela internet. Tudo muito prático. A votação não é obrigatória, mas entre 30% e 60% da população participa.
E quanto os parlamentares ganham?
Ao contrário do Brasil, eles não ganham uma fortuna. E, ao contrário do que corre em algumas redes sociais, eles também não trabalham de graça ou recebendo compensações. O salário de um parlamentar é entre 58,000 e 70,000 francos por ano. Só pra vocês terem uma ideia, um estudante de doutorado ganha 51,000, e um pós-doc ganha 82,000 por ano. Por isso, só entra pra política quem tem vocação pro negócio, não pra ficar rico. O custo dos salários e da manutenção do sistema político é de 13 francos por ano por habitante. Ridiculamente baixo para nós, brasileiros, não?
Claro que as coisas não são perfeitas. Os suíços ainda reclamam muito do seu sistema político, principalmente sobre a questão do idioma. Eles brincam que a política funciona porque ninguém se entende. :) Mas é um problema real. Dificilmente há um parlamentar fluente em todos os idiomas oficiais. Forçar as pessoas a falar inglês não vai rolar, eles são muito nacionalistas. Falar em alemão da Alemanha (aquele que as pessoas da parte francesa e italiana da Suíça aprendem na escola) tem o mesmo problema. E ensinar alemão suíço (falado por 65% da população) para uma pessoa adulta ou mesmo em idade escolar é impossível: só fala esse dialeto quem cresceu com pais falando em alemão suíço, realmente não existe outra forma de ensinar esse idioma. Por isso, fica a regra de que cada um fala na língua que quiser.
Quem sabe, um dia, o Brasil vai evoluir e alcançar o patamar dessa democracia que assim funciona há quase 700 anos...
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