sábado, 31 de maio de 2014

Ferro: muito além da hemoglobina

Vai dizer que quando alguém fala em ferro no sangue você não pensa em hemoglobina ou em hemácias? Pois é, a única grande função do ferro que a gente conhece é a de transporte de oxigênio no sangue. O ferro faz parte da hemoglobina, uma proteína que fica dentro das hemácias (ou células vermelhas do sangue), e serve para captar oxigênio nos pulmões e liberá-lo no resto do corpo. Mas parece que não é só isso, não!

Quando eu fui diagnosticada com deficiência severa de ferritina (a proteína no sangue que serve de reserva de ferro) eu logo imaginei que estaria com anemia, que meus níveis de hemoglobina estariam lá embaixo e que meu hematócrito (% de hemácias no sangue) estaria um caos. Mas não foi esse o caso. Minha anemia era muito leve, nem dá pra considerar anemia propriamente dita, e meu hematócrito estava normal (38%, sendo normal entre 34% e 40%). Por isso, eu não dei muita importância pra essa deficiência de ferro: minha reserva de ferro estava baixa, mas minha hemoglobina estava bem. Aparentemente, meu corpo se adaptou extremamente bem à baixa reserva de ferro, pelo menos no que diz respeito às minhas hemácias. Todo o ferro que eu consumia estava sendo desviado para a produção de hemoglobina, mas chegou um momento em que ele não estava em concentração suficiente. O corpo percebe quando não temos hemoglobina e oxigênio nos tecidos suficiente, então envia um sinal para produção urgente de hemácias. Hematócrito de 38% é um pouco alto pra mim, mas foi o modo como o meu corpo reagiu à falta de ferro. O problema é que, embora meu corpo tenha conseguido produzir bastante hemoglobina e sequestrar todo o ferro para essa proteína, ainda assim não era suficiente, então eu acabei tendo muitas hemácias com pouca hemoglobina dentro de cada uma. Além disso, minhas hemácias são extremamente pequenas e com formas variadas (microcitose e anisocitose). Mas mesmo assim, eu ainda não estava com anemia, já que existe uma janela de 30 a 60 dias pra que a ausência de ferro apareça no hemograma.

Para prevenir uma anemia profunda que certamente viria nos próximos meses, busquei tratamento o quanto antes. Depois de uma primeira tentativa desastrosa com Ferrinject, eu comecei a fazer tratamento no Hospital de Morges, a 30 min de onde eu moro. Nesse hospital, eu tenho toda uma equipe médica comigo se eu tiver uma reação alérgica de novo. Eu obviamente não curti muito essa ideia de hospital. Pensei num lugar tipo o Centenário em São Leopoldo ou a emergência do HCPA. Mas o hospital era super bem organizado. Não havia muita gente no meu setor, fui atendida no horário e fiquei numa sala de perfusão para 4 pessoas (tinha mais um senhor recebendo ferro e uma senhora fazendo quimioterapia). Recebi suco e chazinho das enfermeiras, muito queridas e amigáveis. Foi nesse ambiente nada-mal que eu fiz minha primeira perfusão de ferro com Venofer. Foi tudo bem, não senti nada, exceto uma ansiedade e um pouco de nervosismo por medo de passar mal de novo. Mas foi tudo perfeito. Fiz a perfusão de 100 mg de ferro em 30 min e fiquei 30 min em observação. 



Até aí, nada de mais. Não senti nada no dia seguinte, nem melhor nem pior. Depois de uns 2 dias que eu comecei a sentir alguma diferença. A primeira coisa que eu percebi foi que meu sono melhorou bastante. Eu acordava 3 vezes por noite e depois das 6h da manhã eu não conseguia mais parar de me mexer e tinha que sair da cama. Falta de ferro é responsável por boa parte dos casos de "síndrome das pernas inquietas", que pode ter sido uma das razões pelas quais eu não estava dormindo direito. Não sei se foi isso ou não, mas hoje, pela primeira vez em vários meses eu consegui dormir até às 8h da manhã. Sério! Acho que fazia 1 ano que isso não acontecia! \o/

3 dias depois da perfusão eu comecei a me sentir menos cansada, seja por causa do ferro em si ou por estar dormindo melhor. :)

Ontem foi minha segunda perfusão, dessa vez com 200 mg de ferro. Eu vou receber 900-1000 mg de ferro intravenoso, o equivalente a 5 bolsas de sangue (só que bem mais seguro e com menos chance de reação alérgica). 200 mg de ferro é um pouco mais pesado. Tive bastante dor de cabeça ontem à noite e hoje pela manhã, mas tomando dipirona ela passa. Dor de cabeça é o efeito colateral mais chato das perfusões. Quem faz tratamento com Ferrinject (que injeta 1 g de ferro de uma só vez) fica totalmente incapacitado no dia seguinte por causa da dor. 




Depois de receber 300 mg total de ferro, eu já sinto muito mais a diferença. Consigo me concentrar melhor nos textos que tenho que ler, tenho mais energia e até fui correr hoje. Sim! Me deu vontade de correr depois de 6 semanas de molho! O melhor de tudo é que mesmo depois de 6 semanas sem correr, minha performance foi a mesma: corri 7 km em 52 min, contra 7.1 km in 51 min em abril. Nada mal. A diferença dessa vez foi a etapa limitante da corrida. Antes era sempre o fato de que eu não tinha ar, não conseguia respirar e minha frequência cardíaca ia a 90-100% do meu máximo (cerca de 200 bpm). Hoje foram as minhas pernas! Pela primeira vez eu senti dor muscular durante a corrida e foi por isso que não fui mais longe. Meu coração estava de boa, operando entre 60 e 75% da sua capacidade (perfeito para atividades aeróbicas moderadas).  

Isso me deixou muito feliz, obviamente. Parece que esse negócio de ferro também é importante para outras coisas (ok, eu sei que ferro é importante para várias outras enzimas e proteínas, mas a gente quase nunca presta atenção nelas!) e que realmente faz falta no organismo. 

Agora eu fico pensando, por que essa falta de ferro? Pensei bastante e a resposta pode estar não só no fato de que eu não como muita carne, mas também no fato de que eu bebo muito leite. Chego a tomar 600-800 mL de leite por dia (o que é uma droga se você tem que comprar leite no mercado toda semana e carregar 5 kg de leite pra casa). O problema do leite é que ele tem muito cálcio, o que praticamente impede a absorção de ferro pelo organismo. Lembra daquela história de que por Nescau no leite anula os benefícios do leite? Na real é ao contrário. A concentração de cálcio no leite é tão grande que não tem nem change de você absorver qualquer nutriente que a Nestlé insiste em colocar no Nescau por motivos de marketing. Em termos de nutrição, seria melhor dissolver o Nescau em água e beber leite em outra refeição (bleh ¬¬).

Bom, pra mim é tarde pra chorar sobre o leite bebido. Além do tratamento por via intravenosa, eu ainda estou tomando 400 mg de ferro oral com vitamina C ou suco de laranja todos os dias. Não é muito agradável no começo. Ferro oral causa diarreia ou uma constipação absurda (pode escolher), mas eu melhorei depois de umas 3 semanas e agora está tudo de vota ao normal. Então, se você precisa tomar ferro, aguente firme, colega! Vai passar. Vai por mim que vale a pena.   :)



   

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Sobrevivi ao meu primeiro choque anafilático!

É isso mesmo! Essa quinta-feira (ontem) foi, por assim dizer, chocante. Foi assim:

Há algum tempo eu venho tido períodos de anemia e/ou falta de ferro no meu corpo. Eu costumava ser doadora de sangue, mas depois de períodos de muito estresse, falta de atividade física e má alimentação (o quilo da carne aqui custa o equivalente a R$150), meus níveis de ferritina e de hemoglobina sempre baixam um pouco. No final do ano passado, eu fiz um check-up anual e minha hemoglobina estava 10,6 mg/dL (normal de 12 a 15) e ferritina 29 ng/mL (normal para a população geral é de 30 a 300, mas para minha idade era esperado acima de 60).

Eu já tinha visitado uma hematologista que tinha me dado um tratamento temporário para quando esse tipo de coisa acontecesse. Portanto, comecei a tomar suplemente de ferro novamente (3x100 mg ao dia). Isso foi em dezembro. No final de março, medi minha hemoglobina na EPFL e estava 14,8 mg/dl. Melhor resultado da minha vida! Fiquei até com medo de ter superdosagem de ferro! Por causa disso, eu parei com o tratamento (na verdade, diminuí para 300 mg por semana em vez de ao dia). Mas eu não tinha me ligado que os níveis de hemoglobina não refletem a realidade atual dos níveis de ferro/ferritina. Deficiência de ferro por levar de 3 a 6 meses para aparecer no hemograma.

Enfim. O tempo passou e 3 semanas atrás eu peguei uma virose gastro-intestinal braba. Depois de 5 dias vomitando, resolvi ir ao médico. Minha médica pediu alguns exames de sangue e resolvemos checar também minha ferritina, mesmo que minha hemoglobina estivesse quase normal naquele dia (11,5 mg/dL). Eis que meu nível de ferritina estava 4 ng/mL. A médica me ligou no trabalho pra falar comigo e perguntar se eu estava bem e me pediu pra passar no consultório dela. Níveis de ferritina abaixo de 18 ng/mL são considerados "perigosamente baixos" e com níveis abaixo de 11 as pessoas geralmente se sentem muito cansadas. Eu me sentia extremamente cansada, sim, o tempo todo. Minhas pernas doem bastante, fico com falta de ar ao subir mesmo que um lance de escada, depois de caminhar 10 minutos de casa para o laboratório eu preciso sentar e respirar por 15 minutos pra me recuperar. Mas eu nunca pensei que estivesse com deficiência de ferro porque cansaço e desânimo são sintomas clássicos de depressão, o que eu sabia que tinha. Depois de um tempo assim, você se acostuma e para de prestar atenção a quão cansado você está. Em alguns meses isso vira o seu novo "normal" e eu nunca pensei que isso pudesse não estar relacionado à minha depressão.

A notícia veio com um choque (níveis tão baixos de ferro podem causar parada cardíaca) e alívio ao mesmo tempo, já que era um problema para o qual há solução e não está psicologicamente ligado à depressão. \o/
O fato de eu estar "tão bem" com um nível de ferro tão baixo se explica pelo fato de que essa baixa foi gradual e eu me adaptei a ela, aceitando-a como um sintoma da depressão. Outro ponto foi que minha hemoglobina não estava tão baixa, provavelmente porque eu comecei a correr no início do ano (isso também explica porque eu não consigo correr muito e só consigo correr 10 km em velocidade "lesma").

As soluções seriam:
1. suplementação oral de ferro: 3x300 mg ao dia, o triplo do que eu tomava antes. Isso não me deixou muito animada porque com 3x100 eu já tenho diversos efeitos colaterais, principalmente gastrointestinais, com 900 mg ao dia eu vou passar mal, certamente. Outro "porém" é que meu nível de ferro vai voltar ao normal somente em 12 a 15 semanas. É muito tempo! Eu estou louca pra poder correr, ter energia pra trabalhar, estudar, etc.

2. Infusão de ferro: é dado 1 grama de ferro por via intravenosa, direto na corrente sanguínea. A infusão leva 40 minutos e os níveis de ferritina voltam ao normal em 2 a 5 dias. O único efeito colateral é dor de cabeça no dia seguinte à infusão. É um preço que estava disposta a pagar pra me sentir melhor, então foi isso que eu escolhi.

No dia da infusão foi tudo bem. Cheguei na clínica, mediram meus sinais vitais e colocaram um cateter no meu braço. Tudo ok. A infusão começou e eu não senti nada. A enfermeira perguntou se estava tudo bem e eu disse que sim. Ela então falou que ia chegar meus sinais vitais a cada 5 minutos e que só ia na sala ao lado descartar os materiais usados para colocação do cateter. Ela saiu e estava tudo bem, eu estava até contente que ia me sentir melhor e com mais energia logo.

Depois de uns 2 ou 3 minutos, algumas coisas estranhas chamaram minha atenção. Primeiro, minha garganta ficou um gelada e eu até brinquei comigo mesma "só falta eu ser alérgica a essa coisa XD". 10 segundos depois meu pulmão ficou pesado e comecei a ver algo que parecia poeira nos meus óculos, como se tivesse poeira caindo do teto ou algo assim. Irracionalmente, tentei afastar a poeira. Como não deu certo, reconheci que isso era falta de oxigênio no meu cérebro. Tentei respirar fundo e não consegui, então usei um último fôlego para gritar "Socorro!". Senti meu rosto começar a inchar, minha cabeça caiu para o lado e eu desmaiei.

Eu fiquei meio consciente em alguns momentos. Ouvia alguém chamar meu nome e sentia que estavam mexendo em mim. Pra mim, pareceram somente alguns poucos segundos entre meu desmaio e eu recobrar a consciência, mas foram na verdade entre 30 e 40 minutos. A primeira coisa que percebi quando acordei foi que estava com oxigênio e que alguém segurava minha cabeça para o lado, caso eu vomitasse, talvez. Depois eu vi que tinham tirado minha camiseta, eu estava com um aparelho de pressão em um braço, oxímetro de dedo no outro (ouvi alguém dizer que a saturação de oxigênio tinha subido para 84%) e que meu peito estava com alguns eletrodos de eletrocardiograma. Quando eu abri os olhos, havia 6 pessoas em volta de mim (2 médicos e 4 enfermeiras), auscultando minha respiração, checando minha língua, garganta, etc. Pelo que consegui entender, minhas orelhas e meus olhos estavam super vermelhos. Eu podia sentir me rosto queimando, meus lábios inchados e todo meu corpo exausto. Eu só queria dormir naquele momento, estava super cansada, mas eles continuavam falando comigo e pedindo pra eu ficar com os olhos abertos.

Pouco a pouco fui melhorando. Em mais ou menos 20 minutos depois que eu acordei já estava bem melhor. Meu resto, orelhas, olhos e lábios tinham voltado ao normal, minha saturação de oxigênio estava 100% e minha pressão subiu para o seu normal (106/68, 82 bpm). Os únicos sinais que eu ainda tinha eram a visão meio bagunçada, muita irritação na garganta e dor de cabeça leve, além da exaustão. Fiquei na clínica por mais umas 2h, até eu estar 100% de novo. Aí me deram suquinho com açúcar (já eram quase 5h da tarde e eu só tinha almoçado) e me liberaram.

O lado bom foi que eu sobrevivi. Choque anafiláticos são letais se não tratados em poucos minutos. A equipe foi muito rápida e eficiente ao tomar conta de mim. O lado ruim é que continuo exausta, não só pelo choque de ontem, mas também pela falta de ferro, problema original que ainda não foi resolvido. ¬¬

Segunda-feira tenho consulta com minha médica de novo pra ver o que vamos fazer. Mando notícias!

Ah, para os curiosos de plantão, aí em baixo tem um gráfico que explica com o choque anafilático funciona: uma célula chamada mastócito libera histamina, que causa várias reações no corpo todo e causam queda de pressão arterial, dificuldade para respirar, edema/inchaço, vermelhidão, lacrimação, etc.

Pelo menos eu não tenho alergia a água (1 em cada 23 milhões de pessoas) ou a anti-alérgicos. Isso sim seria ruim. Confira as alergias mais bizarras do mundo nesse link.    



terça-feira, 13 de maio de 2014

Uma Democracia de Verdade

Foto de uma votação direta local realizada em Appenzeller, em 2011.

Semana passada um grupo de estudantes da EPFL foi convidado a fazer uma visita ao parlamento suíço, que fica em Berna, a capital. 

Chegamos lá e fomos assistir às discussões e à apresentação das opiniões de diversos partidos políticos. O tema em questão naquele dia era a lei sobre os impostos para pessoas casadas. Na Suíça, se você casa, paga mais imposto do que se for solteiro, mas esses impostos baixam de novo se você tiver filhos. Foi um jeito de forçar a população a ter filhos que deu bem errado: as pessoas começaram a ter filhos sem casar. Por isso, não faz mais sentido que os impostos sejam mais altos para pessoas casadas. Os parlamentares estavam tentando mudar isso. Eu não entendi toda a discussão porque cada parlamentar tem o direito de se pronunciar (em somente 5 minutos) na sua língua materna (se oficial da Suíça). Então tinha gente falando em alemão, italiano e francês. Na real não teria problema porque a gente podia trazer um fone de ouvido e engatar na poltrona para ouvir a tradução de tudo ao vivo.

Depois de mais ou menos uma hora de discussão, tudo filmado e transmitido ao vivo pela TV, era hora da votação. De repente, o parlamento ficou lotado. Absolutamente todos os parlamentares compareceram para a votação. Eles não precisam estar lá quando os partidos apresentam seus argumentos, já que isso é mais uma apresentação para o público e para a imprensa: os debates reais acontecem em reuniões fechadas e cada partido participa enviando os parlamentares que são especialistas sobre o assunto da reunião. No final das reuniões, os parlamentares que entendem daquele assunto enviam uma recomendação de voto para aqueles que não participaram da reunião ou que não entendem bulhufas do assunto em questão. 

Na hora da votação, o presidente da câmara manda uma mensagem para os "pagers" dos parlamentares que estão em seus gabinetes ou em reuniões. Todos param o que estão fazendo e reúnem-se para votar. Os votos são feitos em um botão na mesa de cada parlamentar. O voto é aberto e o público vê no que cada parlamentar votou. Depois de 2 a 4 assuntos votados, é hora de discutir outras coisas e votar de novo. Em média, são votadas 10 propostas por dia. 

Depois da votação, uma parlamentar nos recebeu e discutiu nossas preocupações em relação à politica de investimento em pesquisa e em educação superior, e em como a nova lei que limita a entrada de estrangeiros no país vai nos afetar nos próximos anos. Foi uma discussão muito interessante. Acho que vai dar tudo certo. Até porque as duas Universidades Federais da Suíça (EPFL e ETHZ) têm um sistema político próprio, paralelo ao parlamento. Ou seja, o parlamento não manda em nada dentro da EPFL ou da ETHZ. O presidente da Universidade tem tanto poder dentro da Universidade quanto o parlamento no resto da Suíça. Então, se as Universidades quiserem empregar somente estrangeiros e incentivar a imigração, o governo federal nada pode fazer para impedi-las. Bem divertido.

O parlamento tem 200 lugares. 1 para cada 40 000 habitantes. O presidente do país muda cada ano e é escolhido entre os membros do parlamento. O presidente é mais uma figura representativa, que fala com a imprensa e participa de eventos. Ninguém na Suíça sabe o nome do presidente atual.

Enquanto a Suíça tem uma democracia indireta, como o Brasil (eles elegem os parlamentares que vão votar sobre as propostas), a Suíça também tem uma democracia direta, onde o povo pode votar diretamente sobre as propostas em um referendo. Como isso acontece? Tem 3 formas:
1. Mudança drástica na constituição: a população é sempre convidada a votar diretamente nesses casos. 
2. Quando a população discorda de um resultado de uma votação feita pelos parlamentares (50,000 assinaturas necessárias). Isso acontece frequentemente e aconteceu há poucos dias quanto à compra de um avião de guerra. Os parlamentares decidiram que "Sim", a população discordou, a votação virou referendo e o resultado nas urnas parece que vai ser um absoluto "Não". 
3. Quando a proposta vem diretamente da população. A proposta de lei deve contar com 100,000 assinaturas online para virar referendo nacional. 

A opção 2 e a 3 mostram realmente como o povo tem poder na Suíça. Eu fico pensando se o Brasil não devia ter feito um referendo sobre a Copa antes de se inscrever junto à FIFA...
Dia 18 de maio será o segundo referendo do ano. Os suíços irão votam sobre a instituição (ou não) do salário mínimo de 48,000 CHF, impedir (ou não) condenados por pedofilia de trabalharem com crianças no futuro, sobre a regulamentação da medicina de família, e sobre a aquisição do avião de guerra.

Pra votar, você recebe uma convocação em casa com as propostas a serem votadas. Você pode votar em uma urna física distribuída pela cidade no dia da votação, por correio (a convocação vem com uma carta-resposta gratuita) ou pela internet. Tudo muito prático. A votação não é obrigatória, mas entre 30% e 60% da população participa. 

E quanto os parlamentares ganham?
Ao contrário do Brasil, eles não ganham uma fortuna. E, ao contrário do que corre em algumas redes sociais, eles também não trabalham de graça ou recebendo compensações. O salário de um parlamentar é entre 58,000 e 70,000 francos por ano. Só pra vocês terem uma ideia, um estudante de doutorado ganha 51,000, e um pós-doc ganha 82,000 por ano. Por isso, só entra pra política quem tem vocação pro negócio, não pra ficar rico. O custo dos salários e da manutenção do sistema político é de 13 francos por ano por habitante. Ridiculamente baixo para nós, brasileiros, não?

Claro que as coisas não são perfeitas. Os suíços ainda reclamam muito do seu sistema político, principalmente sobre a questão do idioma. Eles brincam que a política funciona porque ninguém se entende. :)  Mas é um problema real. Dificilmente há um parlamentar fluente em todos os idiomas oficiais. Forçar as pessoas a falar inglês não vai rolar, eles são muito nacionalistas. Falar em alemão da Alemanha (aquele que as pessoas da parte francesa e italiana da Suíça aprendem na escola) tem o mesmo problema. E ensinar alemão suíço (falado por 65% da população)  para uma pessoa adulta ou mesmo em idade escolar é impossível: só fala esse dialeto quem cresceu com pais falando em alemão suíço, realmente não existe outra forma de ensinar esse idioma. Por isso, fica a regra de que cada um fala na língua que quiser.

Quem sabe, um dia, o Brasil vai evoluir e alcançar o patamar dessa democracia que assim funciona há quase 700 anos...