quinta-feira, 23 de abril de 2020

O dia em que fui pega pela imigração da Alemanha

Olá!

Esse post é pra contar um perrengue pelo qual eu passei ao sair da Alemanha e voltar para o Brasil.
De acordo com as autoridades, eu estava sem visto e tinha ficado ilegalmente no país. Eu teria que pagar uma multa para cada dia que eu tivesse ficado no país e certamente perderia meu voo de volta para o Brasil.

Vamos por partes:

Part 1: O visto suíço

Eu vim para a Europa em 2012, diretamente para a Zurique, na Suíça, onde me deram um carimbo de entrada no espaço Schengen. Eu vim para fazer meu mestrado e entrei com visto suíço de estudante. Não tive problemas nenhum para entrar.

Chegando na cidade onde eu estudaria, eu precisei pagar por uma permissão de estadia e estudo no espaço Schengen, pois meu visto de entrada era válido para somente uma entrada e valia 3 meses (de setembro a dezembro de 2012). Essa permissão de estadia tem a forma de um cartao de crédito e tem que ser carregada na sua carteira o tempo todo, pois é o único documento que mostra que você está na Europa legalmente.

Minha permissão de estadia demorou 3 meses para ficar pronta! O meu visto já estava vencido quando a permissão chegou, mas isso não foi problemático porque eu não saí da Suíça nesse período. O chato é que essa permissão de estadia tinha validade sempre de somente 1 ano, então eu tinha que estar sempre renovando-a frequentemente ($$$). Depois de fazer o mestrado, comecei a fazer doutorado na Suíça. Como comecei o doutorado em April de 2014, também tive que fazer outra permissão de estadia e estudo que começou a valer no dia 01/04/2014. Assim, todas as permissões de estadia que eu fiz até o final do meu doutorado, venciam sempre no dia 31 de março.

Meu doutorado foi extendido por 1 mês para terminar oficialmente dia 30 de abril de 2019. Eu recebi uma notificação do governo pedindo novamente uma lista gigante de documentos para renovar o meu visto por mais um ano e, claro, para eu pagar todas as taxas necessárias.

Porém a minha defesa de doutorado estava marcada para o dia 12 de abril de 2019 e eu sairia do país no dia 15 de abril para me casar na Alemanha. Fui então até a prefeitura da minha cidade me informar sobre o que eu deveria fazer. Eu queria pedir uma permissao de estadia nova, mas provavelmente não ia chegar antes de eu sair do país. Eles me disseram que nesse caso eles não fariam uma permissão nova, mas eu teria que assinar uma declaração de que eu sairia do país no dia 15 de abril. Também me disseram que depois que a permissão de estadia expirasse, eu ainda poderia ficar 3 meses como turista no espaça Schengen. Ok. Fiz a declaração e pedi uma cópia.

Parte 2: Entrada na Alemanha

Saimos da Alemanha de carro e passamos pela fronteira da Alemanha. Tivemos o cuidado de passar por uma fronteira 24h (era um domingo) porque eu queria conversar com um oficial e pedir um visto de entrada na Alemanha para o meu passaporte, para oficializar o começo do meu periodo de turista.

O oficial me disse que eles não davam carimbos de entrada dentro do espaço Schengen. Explicamos a situação, dissemos que iríamos sair da Alemanha no dia 26 de abril (2 semanas depois). Ele viu meu passaporte e disse que não tinha problema, que podíamos entrar.

Parte 3: O casamento

O casamento ocorreu sem grandes problemas. Para facilitar o processo, eu fui registrada como residente da cidade onde eu casaria. Novamente, não ter um visto na Alemanha não foi problema nenhum.

Depois do casamento, fomos para o Departamento de Imigração em outra cidade solicitar um visto de reunião familiar para mim. Trouxemos todos os documentos necessários e uma declaração do meu sogro de que estamos morando com ele no momento como comprovente de residência (meu sogro até foi junto caso a declaração escrita não fosse suficiente).

Apesar de todos os documentos estarem em ordem, eles não podiam me dar o visto pois é necessária comprovação de renda que sustente o casal. No momento, estávamos ambos desempregados, saindo para o Brasil em lua de mel em menos de uma semana. Dizeram que tinhamos que esperar o meu marido alemão ter um trabalho formal para pedir esse visto.

O Departamento de Imigração, mesmo tendo todos os meus documentos em mãos, nunca levantou nenhuma dúvida sobre a legalidade da minha estadia e nos disse para voltar depois da nossa viagem ao Brasil.

Parte 4: A emigração

Quando estávamos no aeroporto, passando pela imigração/emigração, tivemos que nos dividir pois meu marido tem passaporte europeu e eu não. Ele passou super rápido e eu fiquei naquela fila enorme. Quando chegou a minha vez, o oficial olhou todas as páginas do meu passaporte e disse: "Falta algo" (provavelmente se referindo a um carimbo ou visto de entrada). Eu então peguei a minha permissão de estadia vencida há 26 dias e minha declaração de saida da Suiça. Ele falou que aqueles documentos estavam vencidos e que eu não podia estar na Alemanha. O meu marido viu que estava com problemas e voltou para me ajudar. Explicamos tudo: a conversa com a prefeitura na Suíça, com o oficial na fronteira, com o pessoal do Departamento de Imigração, etc. Mas o oficial insistiu que isso não fazia diferença e que eu não tinha permissao para estar na Alemanha. Ele então chamou outro oficial, que nos levou para a "salinha", o lugar mais temido dos aeroportos.

A sala não era tao pequena assim, tinha um balcão com vários oficiais e algumas pessoas sentadas na áera de espera onde eu também fiquei. Um oficial logo nos chamou, falou para o meu marido que eu vou ficar um tempo ali, que eu ia perder o meu voo e que ele podia pegar o voo se quisesse. Ele decidiu ficar. O oficial olhou todos os documentos novamente, inclusive o nosso certificado de casamento e disse que nada daquilo mudava o fato de que eu não tinha autorização para entrar na Alemanha.

Segundo ele, se eu tivesse pegado um voo de saída diretamente na Suíça não teria problema, mas não posso pegar um avião da Alemanha. Ele também disse que eu não tinha restrição de visto de turista na Alemanha depois de ter um visto de estudo na Suiça, mas que eu devo sair diretamente da Suíça, ir para um país fora do espaço Schengen e então voltar para a Alemanha (mesmo que no mesmo dia) para receber o carimbo de entrada ("visto de turista").

Fiquei de boca aberta. Como ninguém me disse isso antes? Por que todos me diziam que não tinha problema? Que estava tudo bem? 😠

Agora, segundo o oficial, eu teria que pegar uma multa por cada dia que eu fiquei "ilegal" na Alemanha. Entramos em uma discussão sobre quando seria esse dia, pois a minha permissão de estadia na Suiça terminava dia 31 de março, mas eu tinha uma declaração de estadia na Suiça até o dia 15 de abril na Suiça (e 15 dias de multa fazem muita diferença!).

Durante essa discussão, o primeiro oficial começou a fazer a papelada e alguns termos para eu assinar. Um terceiro oficial pegou meu passaporte para fazer um cópia. Este último logo voltou dizendo que eu era brasileira e que essa regra não se aplica a brasileiros. Meio relutantes e após muita discussão entre eles, me devolveram todos os documentos e me liberaram. Eu saí correndo para pegar o voo, cujo embarque já estava terminando. Graças a Deus ainda consegui!

Consideraçoes finais:

Até hoje eu não tenho certeza de qual "regra" eu quebrei ao entrar na Alemanha com um visto de trabalho suíço vencido. Eu já tinha pesquisado sobre "emendar" vistos de trabalho/estudo com vistos de turismo, mas parece que as pessoas têm experiencias diferentes de acordo com o oficial de imigraçao. Alguns brasileiros não têm problema nenhum, enquanto outros chegam a ficar detidos no aeroporto. Eu mesma quase paguei uma multa pesada e talvez recebesse também uma restricão de entrada na Alemanha (o que seria terrível visto que eu tinha que voltar 5 semanas depois para pegar papéis pessoalmente no consulado americano). Imaginem se esse último oficial não tivesse por acaso pegado o meu passaporte para fazer uma cópia?

Eu queria somente um pouco mais de transparência.

No Brasil, eu ainda liguei para o consulado da Alemanha no Brasil para tentar entender o que aconteceu e para perguntar se havia algum restrição de viagem em meu nome. Infelizmente ninguém soube me informar de nada.

Eu suei frio ao voltar para a Alemanha, fiquei mais de 1h30 na fila da imigração, mas não tive problemas para voltar para a Alemanha. Graças a Deus.

E você? Ja passou algum perrengue na imigração?

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

A grande polêmica da ração sem grãos


Aviso: eu não sou veterinária. Meu único superpoder é a habilidade de ler artigos científicos e extrair informações úteis que podem ser aplicadas a esse tema. Se o seu veterinário indicou uma dieta específica para o seu pet, siga suas recomendações!


Oi galera!

Se você é um dono bem informado, já deve ter ouvido falar a respeito das rações sem grãos e sobre todos os supostos malefícios de uma alimentação com grãos para o seu gato ou cachorro. Ou talvez você ainda não ficou sabendo disso. Independentemente, apertem os cintos porque vamos discutir essa polêmica juntos, baseando-nos em estudos científicos.


O que vamos abordar nesse artigo?


Por que as alegações contra a ração com grãos são besteira
Quais os possíveis benefícios reais de uma dieta sem grãos
A associação da dieta sem grãos a problemas cardíacos
Mas e os efeitos da alta quantidade de proteína nos rins?
Fique de olho na lista de ingredientes da ração
Que tipo de ração faz sentido comprar


Introdução

Desde 2010 para cá, as empresas encheram as prateleiras dos supermercados e pet shops com rações sem grãos, naturais, sem organismos geneticamente modificados e teoricamente mais biologicamente apropriadas para os nossos cães e gatos.


As empresas que vendem essas rações usam várias estratégias de marketing para fazer com que nós, os pais preocupados, comprem seus produtos. Algumas informações mais usadas são as seguintes:
1.     Os grãos não fazem parte da dieta normal dos ancestrais dos gatos e dos cachorros (o gato selvagem e o lobo, respetivamente).
2.     O gato e o cão são carnívoros e devem se alimentar somente de carne.
3.     O gato e o cão não digerem bem grãos e carboidratos.
4.     Os grãos são responsáveis por várias doenças nos nossos pets.
5.     A ração “normal” contém subprodutos animais, que são feitos de restos de animais, penas, unhas, ossos, animais doentes ou mortos em acidentes.
6.     Os grãos causam alergias.
7.     Cães e gatos e comem ração sem grãos são mais saudáveis, tem mais energia e melhor pelagem.

 

Por que as alegações contra a ração com grãos são besteira

Com um pouco de tempo e sabendo pesquisar nos lugares certos, é fácil ver que essas afirmações são simplesmente incorretas. Vamos por partes, como diria Jack, o Estripador.


1.     "Os grãos não fazem parte da dieta normal dos ancestrais dos gatos e dos cachorros (o gato selvagem e o lobo, respetivamente)."


Mesmo que os ancestrais dos cachorros e gatos não comessem grãos, não quer dizer que os nossos pets não podem comê-los. Se isso fosse verdade, os homens não poderiam comer churrasco, visto que os nossos ancestrais (macacos e gorilas) comem somente pequenas quantidades de carne na forma de insetos. 

2.     "O gato e o cão são carnívoros e devem se alimentar somente de carne."


Os gatos e cachorros que conhecemos hoje evoluíram por milhares de anos, o que lhes deu muitas características únicas que não existem em seus parentes selvagens. Os caes são, de acordo com suas características genéticas, omnívoros. Ou seja, podem comer de tudo como nós.

Os gatos ainda são considerados carnívoros, mas não carnívoros exclusivos.  Um estudo fantástico feito em 2013 pôde responder algumas perguntas interessantes sobre a alimentação dos gatos. Por 7 dias, os gatos receberam várias opções de comida simultaneamente. Eles foram divididos em vários grupos, de acordo com as opções de comida que receberam: 
Experimento 1: 1 opção de comida seca (ração) e 3 opções de comida úmida (sachê)
Experimento 2: 3 opções de comida seca (ração) e 1 opção de comida úmida (sachê)
Experimento 3: 3 opções de comida seca (ração) e 3 opções de comida úmida (sachê)
Experimento 4: 1 opção de comida seca (ração) e 1 opção de comida úmida (sachê)

Cada opção de comida tinha níveis diferentes de proteína, gordura, carboidrato e umidade. Os pesquisadores esperavam que os gatos que tivessem mais opções de comida umida (com mais proteínas), iriam comer mais proteínas (partindo do princípio de que eles são carnívoros). Os gatos também podiam escolher comer somente proteínas e gorduras, já que alguns sachês tinham somente 2% de carboidratos.
Mas não foi o que aconteceu! Os gatos em todas as dietas consumiram, em média, a mesma quantidade de proteínas, gordura e carboidratos. Isso quer dizer que, quando tem a opção de escolher livremente sua dieta, os gatos são capazes de regular exatamente quanto desses macronutrientes precisam, e também escolhem por vontade própria comer carboidratos.
Os resultados da pesquisa mostram que os gatos preferem uma dieta com: 55% de proteína, 21% de gordura e 24% de carboidrato.
Com esses resultados, uma coisa fica muito clara: nenhuma ração seca é capaz de suprir 100% das necessidades dos gatos, já que as raçoes com a maior quantidade de proteína têm, em média, 40% de proteína. A solução? Dê sachê, patê, atum ou peito de frango pro seu gato! 


3.     "O gato e o cão não digerem bem grãos e carboidratos."



O experimento descrito acima já serve para desmascarar essa ilusão. Se gatos e cachorros não digerissem bem carboidratos, ia ser a festa da diarreia na sua casa.

Comparados com os lobos, os cachorros têm várias copias a mais de genes que os possibilitam digerir carboidratos. Os cães têm inclusive amilase (enzyme que digere amido) na saliva, assim como os humanos! Durante a evolução dos cães, 10 genes foram especialmente selecionados para ajudar nossos cachorros a digerir melhor carboidratos e gorduras (Fonte).


Os gatos também evoluíram para digerir carboidratos melhor que seus ancestrais, cuja dieta consiste somente em 2% de carboidratos. Gatos conseguem digerir 40-100% dos carboidratos, dependendo da forma como esse carboidrato é produzido. Os cachorros têm ainda mais enzimas para digerir carboidratos que os gatos (Fonte).

Além da seleção genética, há outras pistas evolutivas indicando que tanto gatos como cães estão preparados para comer carboidratos: o comprimento dos seus intestinos (mais longos para melhorar a digestão e absorção de carboidratos) e dentes molares e pré-molares mais planos que seus primos selvagens (Fonte)

Portanto: cães e gatos conseguem digerir carboidratos, sim senhor.

4.     “Os grãos são responsáveis por várias doenças nos nossos pets.”



Carboidratos em quantidades razoáveis são benéficos para os nossos pets. A glucose, produta da digestão dos carboidratos, é fonte de energia rápida e preferida pelo cérebro dos nossos pets (e pelos nossos cérebros também). A definição de quantidade razoável é que é o problema. Para gatos, 25% é considerado ideal, mas há discrepância entre os resultados para cachorros, mas parece que no máximo 50% (incluindo 2.5 – 4.5% de fibras) é recomendado (Fonte). Entretanto, até 70% da ração canina e 50% da felina é carboidrato. 🙀


Carboidratos são digeridos e absorvidos como glicose (“açúcar”) e vão parar no sangue. A rápida digestão e absorção de glicose levam ao aumento muito rápido da glicose no sangue que, se não utilizada rapidamente pelos músculos para correr ou brincar, acaba sendo armazenada na forma de gordura. A queda na quantidade de glicose no sangue leva o animal a sentir fome novamente e o ciclo continue. Isso causa o aumento de peso, diabetes, reumatismo, doenças cardíacas e renais, etc. Estima-se que mais de 50% dos animais de estimação em países industrializados sejam obesos ou tenham sobrepeso. As proteínas são digeridas, absorvidas e, se necessário, convertidas em energia muito lentamente, levando a uma concentração de glicose mais constante no sangue e gerando saciedade mais longa.


Mas o que os grãos têm a ver com isso?

Grãos são carboidratos e por isso considerados vilões de tantas doenças. Muita gente acredita que dando ração sem grãos para seus pets eles estarão consumindo menos carboidratos. ENTRETANTO, isso não é verdade. A ração sem grão pode ter até mais carboidratos que a ração normal. Isso porque os produtores simplesmente substituem o grão por outro carboidrato, como a batata, cenouras e abóbora. Por que não substitutir os grãos por proteínas? Por duas razões: (1) o produto fica mais caro, e (2) não é possível fazer uma receita com muita proteína virar os pedacinhos de ração seca que conhecemos sem adicionar ainda mais ingredientes artificiais.

A solução? Dê sachê, patê, atum ou peito de frango pro seu pet! Essas comidas contêm pouquíssimo carboidrato e muita proteína. 


5.     “A ração “normal” contém subprodutos animais que são feitos de restos de animais, penas, unhas, ossos, animais doentes ou mortos em acidentes.”


Sim. E não. 
Tanto a ração com grãos quanto a sem grãos pode conter subprodutos animais. PONTO.
Os subprodutos não são necessariamente vilões, pois contêm:

·      Farinha de sangue: rica em proteína e ferro.

·      Farinha de ossos: rica em cálcio e fosfato.

·      Vísceras: ricas em proteínas e gorduras.

·      Cérebro: rico em ômega-3.

·      Carcaças: mistura dos itens citados acima, ricas em proteínas.


O que assusta os pais de pets é a possível presença de penas, unhas, bicos, animais mortos nas estradas ou eutanasiados por estarem doentes. Vamos por partes:

Unhas e bicos estão realmente presentes nos subprodutos, mas se você imaginar uma galinha vai notar que as unhas e o bico compõem uma percentagem bem pequena. As unhas e os bicos também são ricos em queratina, uma proteína (depois de reclamar dos subprodutos animais você vai lá e compra creme anti-rugas com queratina).  😜

Penas podem também ser usadas, mas são normalmente usadas em outros produtos por sua baixa digestibilidade.

Animais mortos nas estradas: você já imaginou se o DNIT fosse pegar todas as vacas, cachorros, gatos, cobras, ratos e guaxinins que são atropeladas nas estradas brasileiras e os levasse para camara de refrigeração para depois vender esses animais para as fabricas de raçao? É muita mão. Isso não acontece. E não é permitido.

Animais eutanasiados: sim, isso existe em pequena proporção. Provavelmente o seu veterinário de bairro não vende as carcaças para a indústria da ração, mas quando da grande mortandade de gado ou galinhas, por doença ou desastre natural, isso pode acontecer. Não sei se isso acontece com frequência no Brasil. Nos Estados Unidos, sabe-se que algumas clínicas e hospitais veterinários maiores vendem as carcaças para produção de ração. Em 2018 houve um grande escândalo, com várias marcas de ração sendo recolhidas após o FDA encontrar pentobarbital (anestésico usado também para eutanásia) em amostras de comida de cachorro.


Apesar de parecer que os subprodutos incluem todos os “restos” da produção de carne para consumo humano, eles não podem conter animais mortos nas estradas, dentes, cascos, chifres, fezes ou pelos.

Muitos pais de pets não querem comprar comida com subprodutos animais, mas essa é a melhor maneira de se “reciclar” alguns restos da produção de carne. Os subprodutos contêm muitos minerais e nutrientes que a carne de músculo não nos proporciona. E imaginem se tivéssemos que criar gado e frango para alimentar todos os 600 milhões de gatos e 900 milhões de cães no planeta somente com carne?

Além disso, vocês já viram um gato comendo um camundongo? (Procurem no YouTube). Ele come absolutamente tudo, incluindo as vísceras e ossos. Portanto, os subprodutos podem ser parte de uma dieta saudável dos nossos pets.

ENTRETANTO, os subprodutos animais contêm menos proteína, ferro e taurina (um aminoácido essencial para os gatos) que o músculo esquelético ("carne"). Os gatos, ao contrário dos cachorros, não conseguem produzir taurina e dependem da presença desse aminoácido na sua alimentação. Por isso, muitas raçoes contêm taurina na sua formulação, principalmente se não contiverem carne de boa qualidade (somente subprodutos). Rações com carne alta quantidade não necessariamente terão taurina adicionada, então fique de olho na lista de ingredientes.

Eu particularmente não fujo dos subprodutos animais, mas não compro produtos em que os subprodutos são o principal (primeiro) ingrediente pois a carne dos músculos (e a taurina de origem natural) também é muito importante para os gatíneos e cachoríneos.

6.     “Os grãos causam alergias”.


De todos os cães alérgicos à alguma coisa, somente 10% deles são alérgicos a alguma comida. É muito mais comum seu bichinho ter uma alergia a pulgas, grama, poeira, ou outro componente do seu ambiente. 
Os ingredientes que mais causam alergias alimentares nos cães são (nessa ordem): carne bovina, derivados do leite, ovos, frango, cordeiro, soja, porco, coelho e peixe. Nos gatos, a ordem é a seguinte: carne bovina, derivados do leite, frango, ovos, milho, trigo e soja. Ou seja, é muito mais provável que seu animal pet tenha alergia a um produto animal do que aos grãos. Antes de sair procurando uma ração sem grãos para a suposta alergia do seu bichano, consulte um veterinário porque alergia a grãos é algo extremamente raro. A raça do seu cão também é fator importante na determinação do tipo de alergia: algumas raças são mais suscetíveis que outras a alergias alimentares.

7.     “Cães e gatos e comem ração sem grãos são mais saudáveis, tem mais energia e melhor pelagem”.


Eu nem sei o que responder a declarações desse tipo. Espero que até aqui tenha ficado claro que um pet que come proteína *animal* (proteína de milho e arroz não vale!) em quantidade e qualidade suficientes, que não se entope de carboidratos, que mantém um nível relativamente estável de glicose no sangue e recebe todos os nutrientes e minerais que precisa, vai ser saudável, ter energia e boa pelagem. Isso acontece independentemente da presença ou não de grãos na sua dieta. Do mesmo modo, um pet que come somente carne pode ter problemas como falta de cálcio, fosfato, ômega-3 e vitaminas (até por isso se aconselha dar suplementos para cães e gatos em dietas de carne crua exclusiva).

Os possíveis benefícios reais de uma dieta sem grãos


1.     Baixo teor de carboidratos:


Em geral, a raçao sem graos possui menos carboidratos do que a raçao com graos. Mas atenção: há exceções


A parte difícil é saber exatamente quanto de carboidrato uma ração tem. Vocês já perceberam que os carboidratos não estão listados na composição da ração? Para calcular essa quantidade, então, deve-se somar todos os outros nutrientes e ver o que falta para que a composição seja 100%. Exemplos:


Ração Royal Canin Gatos Indoor

Proteinas (25%) + umidade (8%) + Extrato Etéreo (gordura, 11%) + fibras (4.9%) + matéria mineral (8.1%) + minerais e vitaminas (<5%) = 62%. Isso quer dizer que há aproximadamente 38% de carboidratos nessa ração, acima dos 25% recomendados.

Se combinada com um sachê de alta proteína e baixo carboidrato todos os dias, essa rçao pode fazer parte de uma dieta saudável, embora eu prefiro uma ração com mais proteínas.      


Farmina N&D Prime Feline Frango e Romã (sem grãos)

Proteínas (44%) + umidade (8%) + Extrato Etéreo (gordura, 20%) + fibras (1.8%) + matéria mineral (8.5%) + minerais e vitaminas (<5%) = 87.3%. Isso quer dizer que há aproximadamente 12.7% de carboidratos nessa ração, abaixo dos 25% recomendados. Essa ração está no outro extremo da balança e eu não a usaria exclusivamente por longos períodos. Mas essa marca contém muitos ingredientes de alta qualidade, então por que não misturar com outra ração contendo mais carboidratos?


Você também pode procurar e comprar uma ração com 30-40% de proteínas e 20-30% de carboidratos.

2.     Ingredientes mais nobres


Via de regra, a ração sem grãos tende a ser mais “natural”, com menos conservantes e corantes, e conter menos (ou nenhum) subproduto animal. A presença de ingredientes associados ao câncer (veja abaixo) é também, via de regra, menos frequente nesses produtos. Mas vale a pena ficar de olho nos ingredientes mesmo assim.

3.     Possibilidade de controlar alergias


Como discutimos anteriormente, alergias alimentares são muito raras. Porém, em casos confirmados de alergia a algum ingrediente, é possível encontrar mais alternativas de ração sem esse ingrediente em raçoes sem grãos. Não estamos falando simplesmente em alergias contra o milho ou soja, mas também contra carne bovina ou de frango. É mais comum encontrar raçao à base de coelho e búfalo nas variedades sem grãos.  

Associação da dieta sem grãos a problemas cardíacos


Em julho de 2018 o FDA (Food and Drug Administration nos EUA, que seria correspondente à ANVISA no Brasil) lançou um alerta sobre a possível associação entre raçao sem grãos e cardiomiopatia dilatada em cachorros nos EUA. Em junho de 2019 o FDA publicou um relatório (não um estudo) mostrando o caso de 560 caes e 14 gatos com essa doença. A vasta maioria dos animais afetados consumiam raçao sem grãos (>90%), embora alguns consumissem raçoes de marcas que contém grãos, como Hill’s e Purina One.

A origem da doença é obscura e é provável que nunca encontremos o que está causando a cardiomiopatia. Os maiores suspeitos são os ingredientes exclusivos de dietas sem grãos, como ervilhas, lentilhas, grão-de-bico, sementes e outros legumes. Há também a possibilidade de que seja causada por desequilíbrio na quantidade de alguns aminoácidos (partes que formam as proteínas). O FDA ainda não sabe exatamente a causa da doença e não há motivo para pânico.

O que eu notei lendo esses relatos de caso, é que a maioria dos animais estava na mesma dieta (comendo sempre a mesma marca de ração) por muito tempo (anos!). Entao vou passar aqui a recomendação de TODOS os veterinários que já visitei: 

Não há uma ração perfeita. Todas têm excesso ou falta de algum nutriente ou mineral, até porque cada raça e indivíduo tem suas próprias necessidades. É importante variar a marca da ração para compensar essas diferenças e para que esses excessos ou deficiências não virem problemas crônicos. 

Assim, meus gatos recebem uma ração diferente a cada 2 ou 3 meses. Isso também evita com que eles fiquem “chatos” e só comam uma marca ou sabor específico. 

Mas e os efeitos da alta quantidade de proteína nos rins?


O maior discurso das pessoas que são contra a ração sem grãos é dizer que alta quantidade de proteína na dieta leva a problemas renais em cães e gatos.

Primeiramente, vamos relembrar que a ração sem grãos não contém necessariamente mais proteína (ou menos carboidrato) do que a ração com grãos (afinal, grãos também tem proteína).

Segundo, não há evidencia nenhuma de que o consumo de dieta rica em proteínas (mais de 40%) causa problemas renais em cães ou gatos. Repito: hoje, ano 2020, não há evidencia nenhuma de que o consumo de dieta rica em proteínas (mais de 40%) causa problemas renais em cães ou gatos.

Estudos que compilam vários estudos passados sobre o assunto (exemplo), mostram que, mesmo após 4 anos comendo ração com alto teor de proteína, cães não apresentam mais problemas renais que aqueles que comem poucas proteínas. A doença renal é multifatorial e não causada simplesmente pela dieta. Mas isso também não é desculpa para dar qualquer ração muito baratinha para o seu pet! A própria diabetes, que pode ser causada por raçoes com muito carboidrato, pode causar problemas renais.   

Em gatos, vários estudos também sugerem que não há relação entre quantidade de proteína na dieta e declínio da função renal. Nesse estudo, gatos saudáveis que receberam uma dieta com 58% de proteínas tiveram um aumento nos marcadores da função renal (albumina, ureia no sangue e ALT) em comparação com gatos na dieta com 28% de proteínas. Mas o aumento foi pequeno, dentro dos parâmetros normais e **esperados** como consequência do maior consumo de proteína.

Talvez seja benéfica uma dieta com menos proteína em animais já que tenham problemas renais. Esse estudo mostra que limitar o consumo de proteína pode diminuir a progressão de doença renal (causada artificialmente em laboratório) em gatos, mas esse outro estudo discorda e diz que não faz diferença nenhuma.

Pelo sim e pelo não, siga as recomendações do seu veterinário se seu pet estiver doente. A ração para problemas renais é muito mais que uma ração com pouca proteína e o melhor tratamento disponível: ela regula o pH do xixi, estimula a ingestão de mais água e limita a quantidade de fósforo e outros minerais que influenciam a formação de cristais na urina. Se seu pet for saudável, não há razão para fugir da ração com alto teor proteico, desde que a quantidade de outros nutrientes seja adequada.



Fique atentos aos ingredientes!


Aos invés de procurar por uma raçao sem graos, o melhor que você pode fazer pela nutrição do seu animal é ler a lista de ingredientes.


Ingredientes a evitar:


·      Milho, soja e trigo – produtos muito baratos com pouco valor nutricional em termos de qualidade de proteína e com alta quantidade de carboidrato. São usados para “encher” a ração, aumentar a quantidade proteínas em usar carne e tornar o produto mais barato.

·      BHA, BHT e Etoxiquina – conservantes e possíveis cancerígenos. Podem causar danos aos rins e fígado.

·      Carrageninas – uma goma usada principalmente em patês e sachês em geleia para dar consistência ao produto. Pode causar câncer.

·      Corantes artificiais – nem sempre dá pra evitar, mas é melhor não ter.

Ingredientes a querer:


·      Taurina: não é um ingrediente obrigatório se a qualidade da proteína principal usada na ração é excelente (carne de músculo), mas é bom ter.

·      Vitamina C e E: podem ser usadas como conservantes em vez do BHT e BHA. A vitamina C pode estar listada como ácido ascórbico.

·      Metionina ou DL-metionina: a adição de baixas quantidades desse aminoácido essencial é usada para acidificar a urina e prevenir alguns tipos de cristais. Também não é um ingrediente obrigatório. 


Que tipo de ração “especial” faz sentido comprar?


Até agora estabelecemos que o melhor é realmente variar a ração do seu cão e gato, sempre incluindo também a comida molhadinha, como os sachês. Não se deixe enganar pela embalagem e pelas promessas do produto! O melhor mesmo é comprar uma ração de boa qualidade e variar as marcas.

Porém existem momentos em que comprar uma ração especifica pode ser beneficial para os pets. Por exemplo:

·      Ração para problemas urinários: essas rações realmente funcionam e previnem a formação de certos tipos de cristais na urina. Devem ser usadas somente com recomendação do veterinário, pois o uso desnecessário pode causar problemas renais.

·      Ração para diminuir a formação de tártaro dentário: os pedaços desse tipo de ração são grandes e ajudam a polir os dentes e diminuir a placa. Problemas dentários só podem ser totalmente evitados com escovação diária, mas esse tipo de ração diminui a velocidade da acumulação de tártaro.

·      Ração para o controle de peso: tem menos calorias por grama de ração e dão mais saciedade, mas não funciona se você deixar o animal comer descontroladamente. Na realidade, se você der a quantidade recomendada de qualquer ração de boa qualidade (com poucos carboidratos) e estimular o seu animal a se exercitar, essa ração é desnecessária.

·      Toda ração recomendada pelo seu veterinário para algum problema de saúde do seu pet.


Cuidado ao comprar uma ração especifica para a raça do seu gato ou cachorro. Muitas vezes você acaba pagando mais sem necessidade. Pergunte a opinião do seu veterinário de confiança!


Conclusão:


Espero que esse artigo tenha ajudado a esclarecer algumas dúvidas sobre a ração com e sem grãos e ajudado você, pai de pet, a fazer boas escolhas no pet shop. 😊